A primeira menstruação de uma mulher é comumente retratada como algo marcante, inesquecível mas, por mais que eu tente, não consigo me lembrar exatamente quando foi a minha primeira menstruação e, principalmente, quando foi que as dores começaram.
Eu sinto cólicas menstruais desde que consigo me lembrar, todo o mês, no primeiro dia do meu ciclo.
Dói o abdômen, doem as costas, os seios e, algumas vezes, tudo isso vem acompanhado de enjoos ou moleza. É como se existisse um sorteio no meu útero que vai definir qual será o bônus que acompanhará as cólicas do mês vigente.
Eu sei que para os rapazes esse texto pode ser levemente desconfortável mas, se você é homem, fica comigo até o fim pra conhecer um pouco sobre o que pode ser a realidade de alguma mulher da sua vida.
Bom, além das cólicas fortes, meu fluxo sempre foi bastante intenso. Já me perguntaram se isso era comum e se eu não corria o risco de sofrer uma hemorragia durante meu ciclo menstrual então, aqui vai uma informação pra enriquecer esse texto: o sangue da menstruação não vem diretamente das veias, mas sim, de uma camada constituída basicamente de sangue que vai sendo formada durante o mês todo na parede do útero. Caso nenhum óvulo fecundado se instale nela, o corpo da mulher elimina tudo e recomeça todo o processo do zero no mês seguinte.
Era para esse processo todo ser indolor segundo o meu livro de ciências da sétima série mas, se eu não consigo me lembrar de quando desceu pra mim pela primeira vez, me lembro claramente de ter dado risada internamente quando li isso na aula de ciências.
Sempre tive dor, desconforto e todas as alterações de humor provenientes da descarga hormonal que acontece no meu corpo mensalmente.
Agora, você deve estar imaginando como todo esse processo incômodo e dolorido impacta minha rotina desde sei-la-quando eu tive meu primeiro ciclo, certo?
Bem, impacta bastante.
Principalmente porque os remédios nunca foram muito eficientes no alívio das dores e o que realmente me ajudava – e continua ajudando até hoje – é um cházinho de ervas, uma bolsa de água quente que, ora fica na barriga, ora na lombar, e encontrar uma posição confortável que, geralmente, acaba sendo estranha de se ver não poderia ser feita em público.
Eu me lembro de duas situações específicas envolvendo minhas cólicas que impediram minha rotina de seguir normalmente.
Uma delas aconteceu quando eu estava no ensino médio, dentro do metrô, a caminho da escola, e tive que voltar pra casa porque não estava aguentando a dor. Eu passei o dia de cama, com dor e enjoos que não deixavam que meu corpo absorvesse o remédio da cólica antes do próximo vômito e me fizeram adotar um ritual novo: eu comia alguma coisa leve, tomava um dramin, esperava alguns minutos e tomava o remédio para cólicas. Assim, eu não tomava o dramin de barriga vazia o que garantia que eu não passaria mal e tomava o remédio para cólicas com meu corpo preparado para o enjoo, o que garantia que o remédio fizesse efeito. Esse ritual me acompanhou por anos.
A segunda situação foi no trabalho. Eu tinha feito meu ritual logo pela manhã, antes de ir trabalhar, porque acordei com os sinais de que aquela era o primeiro dia do meu ciclo. Fui para o trabalho e, no meio do dia, precisei ir ao banheiro agachar no chão e pressionar a barriga por vários minutos porque não estava aguentando a dor, mesmo depois de ter tomado uma segunda dose de remédio.
Então, o que a gente faz pra prosseguir com o que planejamos fazer em um determinado dia ou para conseguir se planejar para um futuro próximo quando situações como essa que não podem ser evitadas acontecem e atrapalham nossos planos?
A resposta é simples: a gente deixa fluir.
A gente aprenda a observar ao invés de tentar impedir ou modificar logo de cara.
E a gente registra a nossa observação, seja na memória, seja por escrito.
Na sequência, a gente usa uma boa dose de reflexão para compreender se estamos mesmo sofrendo tanto com o que está acontecendo e está fugindo ao nosso controle ou se é a expectativa frustrada – e altíssima – de que deveríamos controlar até o incontrolável que está nos fazendo mais mal.
E aí, chega o bonito momento em que a gente tem informação suficiente para decidir qual será nosso plano de ação.
Cólicas menstruais são apenas um exemplo de situação que foge ao nosso controle. A vida é cheia delas. Tanto, que situações como essa não deveriam ser negligenciadas por serem encaradas como imprevistos – o mais previsível é que imprevistos aconteçam.
Com o tempo, eu pude perceber o que eu consigo fazer no meu período de cólicas e o que não consigo. E caso você esteja se perguntando, não tem nada errado com minha saúde. Mesmo depois de um parto cesárea e outro normal que, segundo a crença popular, dariam um fim as minhas cólicas, eu ainda as sinto todos os meses.
A diferença é que, com as observações e as reflexões, eu pude perceber que existem muitas coisas que são úteis e interessantes de se fazer e podem ser feitas em meio a uma cólica, como por exemplo, descansar, caso seja isso que meu corpo precise em um mês em que o meu sorteio uterino caprichou na dose.
E se você abandonasse o impulso de controlar o que está fora do seu controle e colocasse uma dose leve de observação e reflexão no lugar?