ESCRITA AFETIVA

Sobre produtividade e cursos de inglês na infância

Quando eu tinha 7 anos de idade minha mãe decidiu me colocar em um curso de inglês. Hoje em dia essa frase não causa estranheza nenhuma, afinal, existem cursos de inglês para todas as idades agora e a forma como a gente se relaciona com a internet torna o contato com outro idioma muito acessível para todo mundo.

Mas quando eu era criança ninguém que eu conhecia tinha ouvido falar de uma escola de inglês com uma classe infantil então, para que eu pudesse começar a estudar outro idioma logo cedo, eu fui matriculada em uma turma com pessoas mais velhas que eu. 

Não me lembro por quanto tempo em permaneci nessa turma mas me lembro que em pouco tempo meu professor instruiu minha mãe a me tirar das aulas afinal, o público alvo desse curso eram pessoas devidamente alfabetizadas em português e eu ainda mal sabia ler e escrever na minha própria língua. 

Apesar de ter que me tirar das aulas precoces de inglês, o desejo de me preparar logo cedo pra vida adulta com todas as habilidades que pareciam ser necessárias permaneceu firme e forte na cabeça da minha mãe.

Assim que ela soube que uma turma de inglês para um público mais jovem tinha sido aberta na mesma escola dos meus 7 anos, ela me matriculou novamente e, com 11 anos eu voltei para o curso de inglês ao mesmo tempo que fui matriculada em uma escola de informática e comecei um curso de digitação.

Some a toda essa rotina de estudos extracurriculares o cursinho preparatório para o vestibulinho em colégios técnicos, e você vai ter uma ideia de quanto tempo me sobrava pra ser adolescente – quase nenhum.

Passei no vestibulinho, fui cursar ensino médio integrado ao ensino técnico em Construção Civil, comecei a namorar, continuei com o curso de inglês aos sábados, comecei um curso de teologia administrado pela igreja que eu frequentava uma vez por semana, a noite, e assumi cargos voluntários de liderança nessa mesma igreja.

Entre aulas, estudos, ensaios do grupo de canto e o namoro, me faltava tempo pra me divertir mas me sobravam responsabilidades.

Mas essa é uma conclusão a qual eu só cheguei agora, depois dos trinta. Naquela época, eu acreditava que estava fazendo exatamente o que deveria fazer, ocupando cada segundo do meu tempo para me aprimorar para o futuro – não que eu tivesse muitas opções, afinal, eu era apenas uma adolescente e as decisões eram tomadas pelos meus pais.

O interessante é que, independente dos meus pais serem os tomadores de decisões sobre a minha vida, eu comprava a ideia do que eles estavam fazendo. Eu me dedicava intensamente para tudo o que eu fazia e nem cruzava a minha mente a possibilidade de dar umas escapadas dessa rotina intensa para cometer os erros que todo o adolescente comete.

Você pode achar que essa dedicação toda me tornou uma aluna exemplar, em todos os cursos, certo? Bom, não.

Na minha cabeça eu estava sempre comprometida, sempre focada, sem faltar em nenhuma aula e concentrada em tirar boas notas. Mas na hora de transformar essa responsabilidade em ação, eu estava sempre cansada, sempre sobrecarregada, sempre sentido dificuldade para dar o meu melhor.

Eram muitas responsabilidades ao mesmo tempo tentando me preparar adequadamente para o mercado de trabalho e consequentemente para o que deveria ser uma vida confortável em que eu pudesse descansar depois, mas, o resultado disso não foi exatamente descanso e tranquilidade mental, foi um estado constante de ansiedade que me levava a acreditar que eu deveria estar sempre ocupada para ser produtiva e que eu estava sempre atrasada em relação aos demais.

Meus pais não tiveram tantas oportunidades assim na juventude deles, então, há de se compreender que quando eles perceberam o quanto o mundo tinha para oferecer para mim na minha juventude, eles julgaram que deveriam aproveitar essa oportunidade para me proporcionar melhores perspectivas na vida adulta do que eles puderam ter.

Hoje, como mãe, é cada vez mais fácil pra mim compreender os motivos dos meus pais e o esforço que eles fizeram por mim mas é interessante observar o impacto que cada ação que foi feita repetidamente no passado tem no presente.

Acreditar que eu precisava ocupar cada segundo do meu dia com algo de “produtivo” tornou natural pra mim estar sempre ocupada, sem refletir com cuidado sobre o tipo de ocupação que eu estava colocando na minha agenda.

Se a gente parar pra pensar, produtividade é uma palavra interessante. Por mais que todo mundo entenda essa palavra como a descrição de uma qualidade admirável, lá no fundo, vem implícito nela a imagem de uma pessoa que está sempre ocupada, estressada e não tem tempo pra se divertir.

Talvez essa fosse a definição que estivesse no fundo da minha mente na adolescência.

Mas, trabalhando com organização, eu aprendi que produtividade é outra coisa.

Essa palavra se transformou com o passar do tempo, o avanço da tecnologia e a forma das pessoas encararem o que significa uma vida confortável. 

Os objetivos das pessoas não são mais os mesmos. O ideal de sucesso não é mais o mesmo para todo mundo. Os pré requisitos para uma vida de sucesso profissional hoje são diferentes de quando eu comecei meu primeiro curso de inglês aos 7 anos de idade e aquilo que era o padrão de sucesso na época dos meus pais deixou de ser padrão e deu lugar para um leque de opções.

Então, se a palavra sucesso agora denota um destino que pode ser alcançado por uma variedade gigantesca de caminhos, por que cada passo desse caminho seria igual para todo mundo?

O que tem que ser feito para que você viva o seu ideal de sucesso, precisa ser baseado nos seus valores pessoais e auxiliado por um bom planejamento e um nível adequado de organização e nada disso vai ser igual para outra pessoa.

Por isso generalizar aquilo que precisa ser feito para ser produtivo não funciona, até porque, “ser produtiva” não é uma ação, é um conjunto de ações que levam você até onde quer chegar.

Se o destino não é o mesmo, por que o caminho seria?

Para mim, me desfazer da crença de que eu precisava estar sempre ocupada com as mesmas ocupações de todo mundo e aprender a descansar foi um processo por si só. Compreender o que é produtividade direcionada ao meu objetivo e traçar meu próprio caminho então foi mais um processo intenso.

Eu sei o quanto é desafiador passar por todos esses processos e o quanto o termo produtividade pode estar parecendo filosófico pra você agora.

Mas eu sei que se dedicar com vontade para esses processos de auto descoberta é algo necessário, que, por mais desafiador que seja, nos permite caminhar com a tranquilidade que só a clareza pode trazer, ao contrário de estar sempre ocupada, caminhando sem destino.

Então, e se os processos difíceis que você tem tentado evitar forem exatamente o que precisa acontecer para que você caminhe com mais tranquilidade rumo ao seu objetivo?

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